O DISCURSO DE ÓDIO NAS REDES SOCIAIS E A COMUNIDADE LGBT

REFLEXÕES ACERCA DA TOLERÂNCIA

“O simples fato de sermos humanos não nos torna humanos e ai está a nossa tragédia” - texto extraído do espetáculo de dança francês chamado: Tragédia

“O que é a tolerância? É o apanágio da humanidade. Somos todos cheios de fraquezas e de erros; perdoemo-nos reciprocamente as nossas tolices, tal é a primeira lei da natureza.” VOLTAIRE

 

Tolerância não é aceitar tudo que se encontra pelo mundo, mas sim o ato de respeitar. Se o ser humano vir que todos são cheios de defeitos, erros e tolices, e reconhecer que o erro é natural a todo ser humano e que todos são iguais, será mais fácil o perdão mutuo. O homem insiste em promover a discórdia, que é de fato cruel e flagela a humanidade. Mas pode-se ver que, se o ser humano se tornar mais tolerante nas relações sociais, culturais, intelectuais e outras, viverá melhor e em harmonia.

 

DISCURSO DE ÓDIO

É qualquer ato de comunicação que inferiorize ou incite contra uma pessoa ou grupo, tendo por base características como raça, gênero, etnia, nacionalidade, religião, orientação sexual ou outro aspecto passível de discriminação.

Nas redes sociais as declarações de ódio crescem e se espalham continuamente. E o que leva um povo internacionalmente reconhecido como cordial e pacifico a agir motivado pela raiva? A definição de cordialidade nada mais é que “agir com o coração”. E ter as emoções a flor da pele também significa se deixar levar do amor ao ódio em poucos segundos, basta lembrar da existência dos crimes passionais.

No direito, discurso de ódio é qualquer discurso, gesto ou conduta, escrita ou representada que seja proibida porque pode incitar violência ou ação discriminatória contra um grupo de pessoas. A lei pode tipificar as características que são passíveis de levar a essa discriminação.

Os haters, como são conhecidos os que disseminam o ódio por pessoas, partidos, minorias, religiões etc. nas redes sociais estão a cada dia mais numerosos.

No Brasil o ódio é visto como uma característica que confere força e capacidade de ação, uma ideia que vem sendo passada de geração a geração. Na nossa cultura, alguém que se revolta é frequentemente julgado como uma pessoa de atitude, diferente daqueles que agem com tolerância e que se abrem para o diálogo. Esses últimos podem até ser vistos como fracos, apesar de colocarem a razão acima da emoção.

O que torna a violência sedutora é que ela funciona, enquanto a razão só tem êxito se os dois lados estiverem jogando de acordo com as mesmas regras.

Onde não existe política e Estado, existe o despotismo e o egoísmo. Nesse cenário, infelizmente, eclodem os piores movimentos, os mais insensatos e hostis aos próprios seres humanos, que opõem uns contra os outros. É a natureza humana tentando sobreviver em meio a tantas adversidades.

Quanto menos se coíbe a violência, mais ela cresce.  O discurso agressivo e o bullying por exemplo, desencadeiam violências maiores, assim como os comentários raivosos nas redes sociais.

E como conter o próprio ódio em uma sociedade violenta, em que cada um reproduz o que aprendeu, ao longo dos anos? Para os especialistas, a educação ainda é a melhor saída. Tanto a adquirida nas escolas quanto a ensinada pelos pais, a aprendida em livros, debates e outras manifestações culturais.

Na base da nossa violência está uma cegueira em relação ao outro. Por isso, a educação deve ser no sentido de disseminar a tolerância e indicar que é bom que sejamos diferentes, do ponto de vista estético, sexual, social ou étnico.

A odiolândia, como as redes sociais especialmente o facebook vem sendo chamadas, é um território aonde impera o EU, o excesso de ego. Opinião em excesso ao invés de reflexão. Nas redes sociais falta mediação pela reflexão, pela dúvida. As redes sociais ilustram essa sede por mais e mais visibilidade, falando de nossas vidas privadas e o espelho em que cada indivíduo se vê não comporta a projeção do outro.

 

DISCURSO DE ÓDIO X LIBERDADE DE EXPRESSÃO

Uma das mais fortes discussões atuais, está na contraposição entre o direito à liberdade de expressão e o clamor por um tratamento diferenciado para grupos historicamente vulneráveis, como negros, homossexuais, mulheres, refugiados e imigrantes.

Há consenso internacional acerca do fato de que discursos de ódio devem ser proibidos pela lei, e que essas proibições não ferem o princípio de liberdade de expressão. Os Estados Unidos são um dos poucos países no mundo desenvolvido que não consideram a proibição do discurso de ódio compatível com a liberdade de expressão.

Liberdade de opinião é um valor que prezamos, mas também respeitamos a diversidade de comportamento e de opção sexual. Liberdade de expressão não é um direito absoluto nem pode ser. As pessoas têm que entender que vivem em sociedade, que existem regras e que precisamos delas, sobretudo no que diz respeito à vida do outro.

Na Sociologia e na Literatura, o brasileiro foi por vezes tratado como cordial e hospitaleiro, mas não é isso o que acontece nas redes sociais. Levantamento inédito realizado pelo projeto Comunica que Muda, mostra em números a intolerância do internauta brasileiro. Entre abril e junho, um algoritmo vasculhou plataformas como Facebook, Twitter e Instagram atrás de mensagens e textos sobre temas sensíveis, como racismo, posicionamento político e homofobia. Foram identificadas 393.284 menções, sendo 84% delas com abordagem negativa, de exposição do preconceito e da discriminação.

Ou seja, o brasileiro bacana, cordial, não usa a internet no Brasil. O que a gente tem visto nas redes sociais é o acirramento do discurso de ódio, de intolerância às diferenças. A maior parte das mensagens de ódio são relacionadas a temas e opiniões políticas. O segundo tema com maior número de mensagens foi o ódio às mulheres. O Brasil cultiva esse discurso de ódio nas redes sociais: cerca de 84% das menções sobre temas como racismo, política e homofobia são negativas.

O Ministério da Justiça chegou a lançar uma campanha na internet com o título: “Não confunda discurso de ódio com liberdade de expressão”, uma vez que as redes sociais se tornaram palco de enfrentamentos violentos principalmente nas últimas eleições.

Opiniões exacerbadas encontram na internet um campo vasto e fértil para se disseminarem sem limites, sem amarras, mesmo que denotando preconceitos, incitando crimes e violências, consolidando intolerâncias. Boa parte dos usuários das redes sociais parece disposta a partir para a briga em comentários maldosos, agressivos, caluniosos, e o fazem com naturalidade, como se amassem odiar alguém ou algo. Mas na absoluta maioria dos casos as pessoas escrevem algo que não teriam coragem de dizer olhando nos olhos de seus interlocutores. No cotidiano as pessoas expressam seus sentimentos de forma mais mitigada, guardando opiniões mais agressivas em sua consciência ou falando mal dos outros por trás.

O ódio nesse contexto é disseminado pois o agressor acredita que a internet é um espaço sem regulação, terra sem lei, e que está protegido pela distância física. O narcisista não conhece a alteridade: tudo o que me leva para além de mim me faz sofrer porque me faz pensar.

Nas redes sociais, é possível expressar o seu ódio, dar a ele uma dimensão pública, receber aplausos de seus amigos e seguidores e se sentir, de alguma forma, validado. Além disso, a linha entre uma ameaça virtual e uma ação criminosa é tênue. Por essa razão a disseminação dos discursos de ódio nas redes sociais deveria ser "perseguida". Deveríamos ter limites claros ao que é o campo da liberdade de expressão, que é intocável, e o momento em que aquilo se torna uma ameaça.

Ou seja, as redes sociais produzem uma espécie de validação do seu ódio que era muito mais difícil antes de elas existirem e se tornarem tão importantes na vida das pessoas.

Isso não tem remédio porque não podemos voltar atrás, e essa é certamente a parte menos interessante das redes sociais, que em contrapartida têm efeitos sociais muito positivos.

É preciso estabelecer limites claros ao que é o campo da liberdade de expressão, que é intocável, e o momento em que aquilo se torna uma ameaça e deveria receber imediatamente a atenção da polícia e do Judiciário. Existe uma linha tênue de passagem entre a ameaça na rede social, a confirmação que ela recebe do discurso de quatro, cinco, ou mil malucos nos comentários - pessoas que vão ter respondido, no caso da chacina de Campinas, por exemplo, "vai lá e mata mesmo aquela 'vadia'" - e a possibilidade de ação criminosa.

Agora é verdade que fundamentalmente as redes sociais são construídas no modelo da sociedade contemporânea, ou seja, você vale o apreço que você produz. Ou no caso, o número de "likes" que suas postagens conseguem receber. Então o discurso de ódio, por exemplo, se alimenta porque é uma coisa "maravilhosa": você constitui, pelas redes sociais, um imenso grupo de pessoas que pensam absolutamente a mesma coisa que você - o que é trágico porque frequentar e trocar mensagens com quem diz "é isso mesmo, meu irmão" é de um tédio mortal. Devemos ler aquilo com o qual não concordamos, não só o que concordamos.

Quando algumas pessoas entram em contato com o que é diferente do seu pensamento, acham que o outro está errado, e a violência verbal é uma das respostas encontradas por quem não está acostumado com o diálogo saudável e debate de ideias. Pessoas que são violentas online geralmente não conseguem ser assim no offline. O anonimato traz coragem. O ambiente virtual não garante empatia, não estamos preparados para reconhecer o semelhante na rede, mas, quando se tem paciência para ler, escutar e avaliar os argumentos, você gera um laço de respeito, mesmo quando continua discordando.

É fácil esbarrar na web em conteúdos que possam ser classificados como discurso de ódio. A ONG SaferNet Brasil, dedicada à defesa dos direitos humanos na internet, recebeu, apenas em 2015, quase 90 mil denúncias relativas a racismo (55.369), homofobia (4.252), intolerância religiosa (3.626), neonazismo (1.283), xenofobia (5.536) e apologia ou incitação à violência (19.839). A entidade não contabiliza ofensas pessoais, outra espécie de injúria no meio digital.

As principais plataformas para manifestações de ódio ou intolerância, Facebook, Twitter e YouTube ainda não têm, no Brasil, políticas específicas para combater publicações consideradas nocivas, embora os usuários possam denunciar postagens, páginas ou qualquer material veiculado em postagens. Em maio, as três empresas, junto com a Microsoft, se comprometeram a analisar mais rapidamente as denúncias e criar dispositivos em suas comunidades para barrar esse tipo de conteúdo. As medidas, por enquanto, valem apenas nos países integrantes da União Europeia.


COMUNIDADE LGBT

Assim como as redes sociais têm essa ambiguidade - um lado positivo e outro negativo - o nosso mundo e nossa sociedade parece caminhar um pouco da mesma forma, dando dois passos para frente e um para trás. Por exemplo, na questão de gêneros, temos uma fluidez maior, mas muitos ataques contra gays e transexuais. Parece que temos duas realidades: uma abertura maior com relação a alguns assuntos e um preconceito rigoroso sobre eles. Isso porque as redes sociais proporcionaram, por um lado, coisas que eram impensáveis anos atrás. Por exemplo, tem um ódio coletivo que se manifesta contra a comunidade trans, alimentado por figuras sinistras que comandam até igrejas, e isso é alimentado, apesar de poder ser caracterizado como um crime de incitação ao ódio.

Mas, por outro lado, alguém que não se reconhecia no seu corpo, uma trans que morava no interior do interior do Brasil e achava que era um monstro, único do tipo e destinada a uma vida escondida, de repente descobre que tem pessoas como ela pelo mundo afora, e grupos, e pessoas dispostas a escutar, a dar conselhos. Isso é o outro efeito positivo das redes.

 

HOMOFOBIA

A palavra homofobia surgiu na década de 1960, deriva do grego e significa medo ou terror de iguais. Pessoas homofóbicas sentem grande desconforto e intolerância quando pensam em homossexualidade. O mesmo vale para a transfobia, bastante comum atualmente. Motivada pelo preconceito, pode levar a violência física, institucional, psicológica, sexual e virtual contra gays, lésbicas, bissexuais, travestis ou transexuais.

A população LGBT constitui um grupo extremamente vulnerável, sendo alvo de diferentes violações de direitos humanos em muitas partes do mundo. Em vários países, o afeto e as relações sexuais consensuais entre adultos do mesmo sexo são consideradas crimes e punidas com prisão ou até com pena de morte.

O Brasil é um país com histórico de homofobia. É um dos países mais perigosos para a população LGBT. Em média, uma pessoa LGBT é morta a cada 27 horas. O número pode ser ainda maior devido ao elevado índice de subnotificação. Segundo relatório do Grupo Gay da Bahia (GGB), 318 gays foram mortos no país no ano passado. Em 2014, a ONG registrou 326 assassinatos do tipo. E essa intolerância também é vista no ambiente virtual. O recente massacre em boate gay de Orlando (EUA) repercutiu nas redes sociais e áreas de comentários de portais, com usuários apoiando o atirador, que matou 49 pessoas no dia 12 de junho.

Proporcionalmente, as travestis e transexuais são as mais vitimizadas. O risco de uma trans ser assassinada é 14 vezes maior que um gay. Mais da metade dos homicídios registrados contra transexuais no mundo ocorrem no Brasil, por ser um grupo que se encontra em situação de maior vulnerabilidade social e marginalização.

Diversos países adotam leis especificas contra crimes de ódio. Mas a pratica da homofobia não é tipificada como crime no Brasil. Há projetos de lie nesse sentido que foram apresentados buscando criminalizar manifestações homofóbicas e crimes de ódio contra homossexuais. Uma lei especifica poderia ajudar no combate as agressões e ter uma função educativa como instrumento de prevenção.

Pessoas homofóbicas acreditam que a heteronormatividade (heterossexualidade como sendo o padrão normal da sociedade) é o correto e quando elas são confrontadas com outras formas de sexualidade não as toleram e podem sentir raiva, vontade de agredir o outro ou aversão total à aprovação de direitos individuais LGBT.

Esse discurso de ódio contra a população LGBT não se trata apenas de aceitar ou não uma orientação sexual diferente, mas de se colocar de maneira agressiva e hostil contra ela, sem o mínimo respeito ao outro e as diferenças.  

Postagens homofóbicas e brincadeiras de mau gosto se espalham na rede mundial de computadores com uma rapidez estarrecedora. Os homossexuais compõem um dos grupos mais visados, revelando que muitos internautas, de diferentes idades, ainda são muito preconceituosos.

De acordo com os indicadores da Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos (fonte Safer Net Brasil), em 11 anos, forma recebidas e processadas 134.645 denúncias anônimas de Homofobia envolvendo 28.864 páginas diferentes, das quais 13.293 foram removidas, escritas em 8 idiomas, conectadas à Internet através de 2.869 números IPs distintos, atribuídos a 36 países em 4 continentes. As denúncias foram registradas pela população através dos 7 hotlines brasileiros que integram a Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos.

 

A SOLUÇÃO ESTÁ NA EDUCAÇÃO

Vivemos uma era de grande polarização política e social. É uma questão mundial. Ao mesmo tempo que há avanço progressista, há o avanço do conservadorismo reacionário. Tudo vai piorar bastante, até que melhore. Pois o mundo não é feito de concordância, mas, sim, de dissonância.

A liberdade de expressão tem, sim, limites. Todo discurso homofóbico, transfóbico, discriminatório gera danos reais à sociedade. Há muitas pessoas sendo agredidas, assassinadas em virtude da sua orientação sexual ou da sua identidade de gênero.

As pessoas têm direito de falar qualquer coisa. A censura prévia não deve ser aceita, nem o cerceamento dos direitos. Mas liberdade de expressão não é um direito fundamental absoluto. Nem o direito à vida é, tanto que existe o direito à legítima defesa. Quando a expressão atinge e agride alguém, ou a fala incita a violência, é preciso punir, civil e criminalmente, o autor. Pois, a partir do momento em que alguém abusa da liberdade de expressão, indo além de expor a opinião, espalhando o ódio e incitando a violência, pode trazer consequências mais graves à vida de outras pessoas.

Deve haver um enfrentamento não em relação às pessoas que proferem discursos de ódio, mas ao discurso em si. Deve-se investir em educação para as redes sociais, em dialogo, para evitar manifestações de ódio, desrespeito e desconsideração nas redes sociais.

A base da intolerância está na dificuldade do reconhecimento no outro. O ódio nas redes sociais é a ponta do iceberg da violência. A paz corre perigo quando a dignidade humana não é respeitada, quando a convivência não é orientada para o bem comum: a violência não pode ser usada como solução para os problemas.

A omissão sistemática das autoridades às agressões perpetradas resultou em um surto de banalização do discurso do ódio contra homossexuais, mulheres, negros, religiosos, judeus, nordestinos, moradores de rua e deficientes, completa o ciclo de terror, que silenciosamente avança junto a um grande número de jovens brasileiros. Chama a atenção a quantidade de ódio, a idolatria ao ódio. Acontece que no Brasil as minorias não têm importância e é por isso que ninguém faz nada. O discurso do ódio só gera ódio e não respeita nada nem ninguém.

Na origem de todos os fascismos sempre esteve a omissão das pessoas em defender minorias ou ideias - pelo simples fato de não concordarem com elas ou com a opção social sexual ou ideológica envolvidas, REAJAM CONTRA O ÓDIO E JAMAIS ACEITEM QUE UM SER HUMANO POSSA SER MERECEDOR DE ATAQUES QUE NEGAM A PRÓPRIA CONDIÇÃO HUMANA.

Não deixemos que esta desconstrução do discurso em defesa do humano e da diversidade humana, seja instrumentalizada, porque depois, a conta a ser paga é alta demais para todos nós, é o retrocesso, é a volta da barbárie, do fascismo, do nazismo...e, neste caso, não preciso explicar qual o resultado, todos nós sabemos.

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