PANORAMA JURÍDICO ESPORTIVO BRASILEIRO

Implicações Da Realização Da Copa Do Mundo De Futebol E Jogos Olímpicos No Brasil

Foram muitos os acontecimentos do ano de 2009, mas certamente nenhum deles terá mais influência nesta década do que a escolha do Brasil como sede da Copa do Mundo de 2014 e a cidade do Rio de Janeiro como sede das Olimpíadas de 2016.

2010 é ano de Copa do Mundo na África do Sul e, frente ao desafio brasileiro de sediar a próxima Copa do Mundo de Futebol FIFA e os Jogos Olímpicos, é natural que venham a tona diferentes discussões acerca da situação esportiva no país e das prováveis mudanças que ocorrerão na nossa realidade.

Não há duvida de que a Copa do Mundo exerce significativo fascínio na sociedade brasileira como um todo que, por meio do futebol, mais especificamente da seleção brasileira, manifesta um patriotismo tão pouco observado na população comumente.

O que eventos desse porte colocam em jogo é nada menos do que a capacidade de todo um país se organizar para torná-los realidade. Será gerado um leque de oportunidades e desenvolvimento para o Brasil. As cifras envolvidas na realização de uma Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos impressionam e dão uma idéia da dimensão dos negócios que podem ser gerados e revertidos em lucro e desenvolvimento. Os eventos em questão são também chamarizes para a atenção e dinheiro estrangeiro.

Para que tudo ocorra bem e tanto a Copa do Mundo quanto os Jogos Olímpicos sejam um verdadeiro sucesso, o Brasil deverá promover uma mudança profunda, pois terá de eliminar problemas crônicos e históricos de infra-estrutura. É o momento perfeito para que os clubes de futebol atraiam capital privado e fomentem a construção de estádios e instalações esportivas.

O mundial de futebol, por exemplo, deve atrair ao Brasil pelo menos 500 mil estrangeiros somente nos 30 dias de jogos.  Além disso, o Brasil já começa a preparar as cidades e os serviços para receber bem e com qualidade torcedores, jornalistas, jogadores e equipes técnicas. A importância da Copa do Mundo de 2014 para o Brasil está além dos 30 dias de jogos, pois o campeonato em si é, desde já, um celeiro de oportunidades.

A lição deixada pela maioria dos países que sediaram grandes eventos esportivos, como a Copa do Mundo ou Olimpíada, mostra ao Brasil que quem começa antes e se planeja bem, ganha mais. O desafio do Brasil é urgente e enorme. Tão grande quanto às dimensões logísticas, econômicas e esportivas de uma Copa do Mundo.

 

O ESPORTE NO BRASIL

O esporte no Brasil é praticado em diversas modalidades e organizado por Confederações nacionais de esportes, sendo a principal delas o Comitê Olímpico Brasileiro.

Quando pensamos em esporte, inevitavelmente, o primeiro esporte que vem a cabeça é o futebol. E não é por menos, afinal ele é praticado em quase todo o planeta, e por isso considerado o mais globalizado.

Fonte de riquezas, tristezas e alegrias para seus admiradores e praticantes ao redor do mundo, sem sombra de dúvida, o futebol é também o esporte mais praticado e mais popular no Brasil. E isto não é de se estranhar, haja vista já ter nos conferido cinco Copas do Mundo entre muitos outros títulos. Só há poucos anos é que outras modalidades se tornaram mais populares, apesar de já praticadas no país. Diversos clubes de futebol, hoje tradicionais, iniciaram suas atividades com outros esportes, contudo, foi através do futebol que a prática desportiva foi massificada.

Outros esportes de considerável popularidade são o basquete, o vôlei, handebol, judô e tênis. A prática desses esportes se dá de forma amadora e é muito popular. É em geral, promovida por clubes e organizações privadas, além de vários governos manterem estruturas em ginásios, estádios e outras estruturas públicas, tanto para a prática na forma de lazer e recreação, quanto para o alto rendimento.

 A sociedade brasileira, como um todo, tem se manifestado tanto por meio acadêmico quanto midiático, sobre a necessidade premente da profissionalização do esporte, através de administração técnica. Sendo para isso necessária a formação e o aperfeiçoamento da administração esportiva no país.

 Toda essa mudança é urgente e, apesar de não serem a regra, algumas evoluções encontradas em diferentes modalidades, têm se revelado fruto de gestão profissional, pois há falta de preparo generalizada entre os administradores esportivos no Brasil, e não é de hoje que a “antiguidade” na administração é critério para uma pessoa estar apta a dirigir o trabalho, na contramão da “competência em administrar”.

Por essas e por outras é que mesmo com mais de setenta anos de profissionalização, a maioria dos clubes do Brasil ainda está em processo de crescimento, incluídos nesta maioria os considerados grandes, localizados nos centros metropolitanos e financeiros do país.

Os estádios, em sua grande maioria, não são bem cuidados, têm padrão de construção antigo e ainda não foram reformados para adequação às novas exigências do futebol. São poucos os clubes que obtém parcerias ou patrocínio para angariar alguma melhora perceptível. Além da  baixa média de público, reflexo de diferentes fatores, tais como a falta de segurança em razão dos freqüentes episódios de violência entre torcedores, má conservação e limpeza das arenas brasileiras, falta de condições econômico-financeiras do público em geral, deficiência no transporte público, horário inadequado dos jogos. Outro fato importante a ser pontuado é a falta de ídolos, os grandes jogadores de cada equipe, aqueles que “carregam” os torcedores aos estádios.

Estamos engatinhando no que diz respeito à política esportiva. Para desenvolver o esporte, de uma maneira geral, não é suficiente que dentro de uma estrutura tenhamos apenas consumidores apaixonados e forneçamos o produto que satisfaça as necessidades desse consumidor, é fundamental a construção de alicerces que mantenham toda essa estrutura ativa e em constante evolução, através de um comportamento administrativo técnico-profissional, visando o bem comum em detrimento do sempre sobreposto interesse individual.

Não há a menor dúvida que, com a análise fria da situação de nossos clubes e demais entidades administradoras do desporto nacional, o futebol brasileiro, assim como as demais modalidades, precisa se reinventar financeiramente, buscando aumentar e ao mesmo tempo diversificar as fontes de receita, bem como prover maior qualidade, em todos os sentidos, ao expectador.

 

A LEGISLAÇÃO ESPORTIVA NO BRASIL

O mercado futebolístico, não se resume às partidas, não se extingue dentro das quatro linhas dos gramados, existe uma série de fatores com repercussão jurídica e econômica além das barreiras do campo.

A expansão do esporte no Brasil e no mundo trouxe a necessidade de regulamentação específica para esse setor. Os clubes evoluíram econômica e financeiramente e passaram a ser considerados grandes instituições financeiras, capazes de captar e gerar recursos para seus sócios e investidores.

O crescimento desenfreado do desporto desencadeou uma série de modificações e novidades nas relações entre aqueles que competem, aqueles que os atletas representam e os organizadores de tais competições. Portanto, em havendo um inter relacionamento entre diferentes agentes faz-se necessária a presença do ordenamento jurídico para regular tal relação.

Não é possível aplicar a legislação comum ao desporto, pois as leis a serem aplicadas precisam se revestir do espírito desportista, pois o esporte é dotado de seus princípios próprios, de suas singularidades características e qualquer lei que não busque tais conceitos, tratando o desporto apenas como mais um ramo do direito, será injusta.

Foram inúmeras as legislações tratando do desporto no Brasil, mas o marco no nosso ordenamento desportivo foi a reestruturação do desporto através do Conselho Nacional de Desportos.

Então, com o passar dos anos, uma a uma, as legislações vieram, como a Lei 6.257/51 e os Decretos 81.102/77 e 82.877/77. Entretanto, foi em 1993 que a Legislação desportiva começou a sofrer suas maiores transformações. A Lei 8.672, mais conhecida como "Lei Zico", jamais teve real aplicação, mas foi a principal influenciadora da "Lei Pelé", que simplesmente copiou a maioria dos dispositivos contidos naquela.

 

A LEI PELÉ

A Lei 9.615/98, popularmente conhecida como Lei Pelé, instituiu novas normas sobre o desporto brasileiro. Apesar de ter procurado tratar o desporto de uma forma geral, sem sombra de dúvida teve no futebol sua principal inspiração.

A Lei Pelé foi criada em 1998, com a finalidade de modernizar o esporte brasileiro, em especial o futebol, pois ainda vigorava a Lei do Passe. Aprovada há 12 anos, teve como principal objetivo definir as bases para a gestão dos clubes e demais entidades esportivas profissionais.

Há muito o futebol havia deixado de ser uma atividade esportiva unicamente lúdica para se tornar um grande negócio no mundo do entretenimento. E como negócio, passou a gerar renda, empregos e visar lucro. Por essas razões a sociedade esportiva brasileira clamava por modificações profundas em sua estrutura.

Sem fugir à regra, a Lei Pelé veio para atender interesses de determinados nichos da sociedade. Entretanto, como a legislação brasileira em geral, a Lei Pelé representou tanto melhorias para o esporte como também foi bastante criticada.

A grande inovação da Lei Pelé, quando de sua promulgação, foi o fim da chamada Lei do Passe, a qual previa que o clube de futebol era proprietário do jogador. Para os atletas, que se viam aprisionados às entidades desportivas empregadoras representou um grande avanço, a conquista da liberdade de trabalho, ao mesmo tempo em que causou enormes prejuízos às entidades formadoras de atletas, prejudicando os interesses dos clubes e beneficiando a atuação e disseminação de empresários, pois, com o fim do passe, o jogador tornou-se escravo do agente ou empresário com o qual mantém contrato, em geral, antes mesmo de completar 18 anos. Mais uma vez o sorriso de um (empresários) custou a lágrima do outro (clubes de futebol). Entretanto, independentemente de ter ocasionado benefícios e malefícios ao longo desses 12 anos de existência, a Lei Pelé deve ser considerada um marco na história do esporte brasileiro.

 

ALTERAÇÕES NA LEI PELÉ

Nos últimos tempos, temos testemunhado uma mudança cada vez mais significativa na dinâmica do mercado esportivo em todo o mundo. Com a administração que vem sendo empregada no futebol, formatada de maneira mais técnico-profissional, com base no Clube-Empresa, nos deparamos com um leque de oportunidades no mundo dos negócios e, portanto, é chegada a hora de novas alterações.

O Brasil é, por excelência, um país formador de grandes jogadores, que normalmente seguem o caminho dos países europeus ou de outros continentes que oferecem verdadeiras fortunas. Os times brasileiros investem uma enorme quantia de dinheiro nas categorias de base formando jogadores. Em centenas de clubes, os atletas iniciam sua preparação ainda bem jovens, recebendo auxílio material, moradia, alimentação, vestuário, auxílio médico, odontológico, ajuda de custo, além de ajuda psicológica, fundamental para o bom desenvolvimento e aperfeiçoamento do jogador.

Os clubes brasileiros necessitam do ressarcimento deste investimento feito nos atletas em formação. Os clubes formadores contam com a venda desses jogadores formados nos seus quadros para participarem de competições, empregarem outros jogadores e investirem em novos talentos.

A liberdade enxergada no fim do passe importou na ida cada vez mais prematura desses jovens profissionais para clubes do exterior, detentores de grandes capitais, representantes de mega-empresas que, desde então, ditam o comportamento do mercado de jogadores.

Toda essa complexidade somada ao conflito de interesses causado pelo tema exige dos legisladores um trabalho minucioso. O substitutivo legal precisa oferecer ao país uma legislação eficaz, que aumente as responsabilidades dos envolvidos, que exija cuidados diferenciados no caso de atletas adolescentes, que estabeleça garantias para os mesmos aperfeiçoando o que já existe.

As alterações da Lei Pelé, em tramitação no Congresso Nacional visam, especialmente, uma proteção maior ao clube formador, que investe no atleta desde a infância e, também, garantem uma maior proteção ao atleta profissional, beneficiando, pela primeira vez, o jogador de futebol. Abaixo, temos algumas das mais importantes alterações:

  • Cláusula Indenizatória a ser paga pelo atleta à entidade à qual está vinculado, bem como uma Multa Rescisória a ser paga pela entidade desportiva empregadora ao atleta, nos casos de rescisão contratual. Os valores podem ser livremente pactuados entre as partes, estabelecidos um teto e um limite mínimo.
  • Determinação de que 5% (cinco por cento) dos valores pagos pelos clubes compradores nas transferências nacionais ou internacionais de jogadores de futebol, definitivas ou temporárias, durante toda a sua carreira profissional, sejam distribuídos aos clubes formadores. Os clubes que ajudaram na formação do atleta, dos 14 aos 17 anos de idade terão 1% do valor da transferência para cada ano de investimento no desportista dentro desse período. Aqueles que formaram os jogadores entre os 18 e 19 anos terão 0,5% por ano.
  • No caso do jogador se transferir para outro clube nacional durante a vigência do contrato ou se ele retornar à atividade em outro clube brasileiro em 30 meses, a indenização paga por ele será de até duas mil vezes o valor médio do salário. Para as transferências internacionais não haverá limite.
  • Direito do clube formador de assinar com o atleta, a partir de 16 anos de idade, o primeiro contrato de trabalho, com limite de 05 (cinco) anos. Se o atleta formado pelo clube, com 16 anos negar-se a assinar o contrato terá de indenizar o formador, no prazo de 15 dias, o valor de cem vezes os gastos comprovadamente efetuados com a formação do atleta desde que especificado no respectivo contrato de formação. Há preferência na renovação contratual por até mais 03 (três) anos, após vencimento do primeiro contrato.
  • Os atletas passam a ter vínculo único e direto com as associações desportivas e não poderão mais ter empresários. A extinção da figura do empresário na hora da assinatura dos contratos de atletas em formação, com idade entre 12 e 21 anos incompletos, visa fortalecer e valorizar os clubes formadores. É essencial a proteção aos clubes, que ficaram fragilizados diante da forte presença de empresários nas transações referentes ao futebol. A proposta torna nulos os contratos celebrados entre agentes e jogadores ou entre agentes e clubes, muitas vezes prejudicando o jogador, impedindo assim a ação nefasta de agentes e empresários desportivos que, com a cumplicidade de dirigentes oportunistas, têm contribuído para os efeitos nocivos do esporte voltado apenas para o lado especulativo. São também nulas as cláusulas de contrato firmado com agente desportivo que impliquem exigência de parte ou do total de indenização recebida dos clubes em transferências, não podendo estabelecer obrigações consideradas abusivas ou desproporcionais ou dispor sobre o gerenciamento de carreira de atleta com idade inferior a 18 anos.
  • Haverá ressarcimento de tudo o que foi investido na formação do atleta, como uma indenização pelo contrato rompido.
  • Os direitos de imagem agora pertencem ao jogador, que pode negociar esse ganho da forma que quiser. Os jogadores passam a ter percentual determinado sobre direito de arena, pago pelas emissoras de TV aos clubes. O direito de arena fica com o clube, entretanto, 5% (cinco por cento) do total terá de ser repassado aos atletas que participarem da competição O texto disciplina a captação de imagens pelas emissoras que não tem o direito de transmissão do espetáculo, cujo uso deverá ser para fins jornalísticos, educativos ou desportivos. A duração das imagens flagrantes deverá ser de no máximo 90 segundos.
  • Os dirigentes responderão, com seus próprios nomes e patrimônios pelos danos que causarem às equipes, desde que responsabilizados criminalmente por gestão fraudulenta, ou seja, em caso de prejuízos causados a instituição por fraude, roubo ou incompetência. Além de responderem pessoalmente pelo previsto na legislação tributária, trabalhista, previdenciária e criminal, independentemente da obrigação de reparar o dano, os dirigentes poderão sofrer a pena de inelegibilidade pelo prazo de 05 (cinco) anos. Já os atos judiciais executórios de natureza constritiva só poderão ser levados a efeito no caso de a constrição não inviabilizar o funcionamento do Clube.
  • Além de definir novas regras de relacionamento profissional entre atletas e entidades desportivas, a alteração da Lei aumenta o repasse de recursos para os clubes formadores de atletas, tanto de modalidades olímpicas quanto do futebol. No caso dos clubes formadores de atletas olímpicos, o aumento de recursos é garantido pelo repasse de parte do dinheiro das loterias federais, atualmente destinado ao Ministério dos Esportes. Os clubes terão de aplicar o dinheiro em programas de desenvolvimento do desporto, de formação de recursos humanos, de preparação técnica, manutenção e transporte de atletas. Na versão inicial o dinheiro sairia da parte que cabe aos Comitês Olímpico e Paraolímpico Brasileiro. Pelo texto aprovado, essas entidades mantêm 85% e 15%, respectivamente, do total de recursos das loterias federais a que hoje têm direito. O COB e o CPB deverão destinar 10% desses recursos ao desporto escolar e 5% ao desporto universitário.

Todas as mudanças propostas para a principal lei reguladora do desporto no país são significativas e mais que urgentes, além de benéficas para os atletas, clubes e sua administração.

Por Fabiana Villela de Magalhães

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