A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento ao recurso de uma mulher assediada sexualmente dentro de um trem na cidade de São Paulo e condenou a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) a pagar indenização de R$ 20 mil por danos morais.
A mulher sofreu assédio em um vagão de trem na estação de Guaianazes, quando retornava do trabalho para casa. A primeira e a segunda instância julgaram improcedente o pedido de indenização formulado contra a CPTM, por entenderem que a agressão praticada por terceiros é fato fortuito que afasta a responsabilidade objetiva da empresa, inexistindo a obrigação de reparar o dano.
Para a relatora, tal situação merece um olhar atento do Poder Judiciário. “O momento é de reflexão, pois não se pode deixar de ouvir o grito por socorro das mulheres, vítimas costumeiras dessa prática odiosa, que poderá no futuro ser compartilhado pelos homens, também objetos potenciais da prática de assédio”, argumentou a ministra ao afirmar que a responsabilidade objetiva da empresa não pode ser afastada em tais circunstâncias.
Segundo Nancy Andrighi, é evidente que, ao ser exposta a assédio sexual, a passageira teve sua incolumidade física e psíquica violada. A incolumidade, na visão da relatora, é ínsita ao contrato de transporte, sendo dever da transportadora levar o passageiro com conforto e segurança ao seu destino.
“Mais que um simples cenário ou ocasião, o transporte público tem concorrido para a causa dos eventos de assédio sexual. Em tal contexto, a ocorrência desses fatos acaba sendo arrastada para o bojo da prestação do serviço de transporte público, tornando-se assim mais um risco da atividade, à qual todos os passageiros, mas especialmente as mulheres, tornam-se sujeitos”, disse ela.
A magistrada afirmou que a responsabilidade do transportador pode ser afastada quando a conduta praticada por terceiro não guarda relação com a organização do negócio e os riscos da atividade de transporte, equiparando-se a fortuito externo. Por outro lado, caracteriza-se fortuito interno quando o fato é conexo à atividade econômica e aos riscos inerentes à sua exploração.
De acordo com a ministra, a ocorrência de assédio sexual guarda conexidade com os serviços prestados pela CPTM, caracterizando fortuito interno, e, dessa forma, a transportadora permanece objetivamente responsável por reparar o dano.
Segundo a relatora, atos de caráter sexual alheios à vontade da pessoa a quem se dirigem revelam manifestação de poder do homem sobre a mulher, mediante a objetificação de seus corpos. “É inegável que a vítima do assédio sexual sofre um evidente abalo em sua incolumidade físico-psíquica, cujos danos devem ser reparados pela prestadora do serviço de transporte de passageiros”, afirmou.
Nancy Andrighi declarou que os casos de assédio sexual e violação da liberdade sexual das mulheres são um problema cultural no país.
“Em uma sociedade nitidamente patriarcal como a brasileira, a transição da mulher da esfera privada – isto é, doméstica – para a esfera pública – espaço de atuação do homem – revela e dá visibilidade à histórica desigualdade de gênero existente nas relações sociais” – o que justifica a atuação do Poder Judiciário para coibir abusos.
Fonte: Clipping AASP - REsp 1662551
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